domingo, março 11

Cebola... Lembram-se da cebola?



A cebola é outra coisa.
Planta sem intimidade.
Retintamente cebola
à última cebolidade.
Acebolada por fora,
cebulona no tutano,
poderia entrar em si
sem se causar qualquer dano.

Em nós selva e estranhamento,
que uma pele mal sustenta
o nosso inferno uterino,
anatomia violenta,
e, na cebola, cebola,
um lisíssimo intestino.
Ia muitas vezes nua,
Até ao miolo mais fino.

Cebola ser sem contrários,
cebola bem sucedida,
na maior a mais pequena,
uma na outra metida,
e na seguinte outra ainda,
uma quarta e uma quinta.

Fuga em espiral para o centro,
eco no coro à medida.
Cebola eu bem te compreendo,
mais belo ventre do mundo,
tu própria em tuas auréolas
do teu sucesso profundo.

Em nós gorduras e nervos,
mucos, veias e recessos,
e ao kitsch do ser perfeito
é-nos vedado o acesso.
Wislawa Szymborska

(tradução de Júlio Sousa Gomes, in Paisagem com Grão de Areia, Relógio d'Água, 1998)

Sem comentários: